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Especial 2021
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Literatura e Cultura

Gilberto Abreu - lança livro e fala sobre o momento atual do país

  • O professor passense Gilberto Andrade Abreu lançou no último dia 20 de abril, em Passos, o seu novo livro, "A Deserção da História: Pós-Modernidade e Neoliberalismo como armas do Capitalismo Global." A noite de autógrafos aconteceu na Estação Cultura, e contou com a presença de autoridades e familiares do professor, que mora em Ribeirão Preto há 40 anos.

     

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    O livro é baseado na sua tese de Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), quando recebeu a Láurea Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) – que representa a maior distinção, e é o reconhecimento por obter a máxima qualificação possível em uma titulação universitária.


    Em entrevista à FOCO, Gilberto Abreu fez um breve resumo sobre o seu livro, e falou sobre a grave crise política e econômica que o Brasil está atravessando, entre outros assuntos.

    Com um vasto currículo, Gilberto Abreu é professor universitário, escritor, músico e palestrante. Já publicou oito livros, entre ensaios, romances e contos. Em Ribeirão Preto já ocupou os cargos de vereador, por dois mandatos, e de secretário municipal nas áreas de Cultura e Meio Ambiente.

    FOCO - Professor, no seu livro o senhor fala sobre o neoliberalismo enquanto ferramenta ideológica a serviço do capitalismo. Como o senhor avalia a política neoliberal nos dias atuais?

    Gilberto - A política neoliberal foi uma teoria proposta para diminuir o tamanho do Estado, depois da segunda guerra mundial. Aconteceram duas grandes guerras em pouco tempo e o Estado totalitário, nazifascista, já tinha sido derrotado. Havia um desejo de minimização do tamanho do Estado, só que era um momento que as pessoas não queriam ouvir aquilo. Depois da segunda guerra houve uma presença maior do Estado. Os americanos detinham nessa época metade da riqueza mundial, e com esses investimentos criaram o maior período de crescimento econômico da história capitalista, o que criou a prosperidade americana, europeia, asiática e a revolução tecnológica. Foram mais de duas décadas de crescimento contínuo, período em que se criou o estado de bem-estar social. Ninguém se preocupava com o tamanho do Estado. Apenas na década de 1970 que surgiu a ideia de diminuir o tamanho do Estado, com enormes gastos públicos e altas taxas de inflação. Foi implantado no governo da primeira Ministra Britânica Margaret Thatcher, no Reino Unido, e no de Ronald Reagan, nos Estados Unidos, no início dos anos 80. O bloco de países centrais, liderados pelos Estados Unidos, fizeram os ajustes ainda naquela década. O Brasil só foi fazer esse ajuste 20 anos depois, em 1994, com o lançamento do Plano Real. Hoje no mundo, o montante de papéis que são intercambiados, que circulam em dinheiro, equivale 90 vezes mais a riqueza real. Nós estamos vivendo num mundo surreal, em que o mundo produtivo está à mercê do mundo especulativo. Hoje o sistema financeiro não tem limites. São os vorazes senhores do mundo.

    FOCO - No Brasil, os governos dos ex-presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, nos anos 90, tentaram implantar uma política neoliberal, privatizando algumas empresas estatais e abrindo a economia para investimentos estrangeiros. Como o senhor avalia o saldo que deixaram para o país?

    Gilberto -
    O primeiro governo que tentou implantar a política neoliberal no Brasil foi o do ex-presidente Collor, e depois no governo Fernando Henrique, que produziu as maiores privatizações e um grande auxílio aos bancos. Isso com o propósito de enxugar o Estado, mas, diminuíram esse tamanho em termos. Um exemplo disso é que hoje em dia, na Reforma da Previdência, não se discute o déficit do setor público, que é maior que o do setor privado. Os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, mais o Ministério Público, têm hoje 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) aposentados, enquanto o setor privado tem 32 milhões, e o rombo é igual ou maior ao do setor privado. No setor privado, o salário médio de um aposentado é de R$1.600,00, enquanto no setor público o salário médio de um aposentado é de R$20.000,00, e no judiciário esse valor chega a R$30.000,00. A luta hoje não é entre burguesia e proletariado, e sim, entre quem está no Estado e quem está fora dele.

     

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    “A luta hoje não é entre burguesia e proletariado, e sim, entre quem está no Estado e quem está fora dele.”

     

    FOCO - A política neoliberal pode ser considerada uma inimiga da educação pública, principalmente da universidade pública?

    Gilberto -
    A teoria neoliberal parte de um pressuposto de que todos têm que vencer por si mesmos. Eu concordo com isso desde que todos tenham nascido em condições de igualdade de oportunidade, o que não acontece no Brasil, pois alguns já nascem privilegiados e podem alcançar as melhores posições sociais. A maioria está condenada a ser serva. Por isso querem privatizar tudo e deixar com o Estado apenas as funções básicas, nem a Educação querem deixar com o Estado. Nas últimas décadas houve uma grande privatização do ensino público. O ensino fundamental público é de péssima qualidade, e o ensino superior público privilegia aqueles que tiveram a oportunidade de “pagar” a educação básica. Hoje nós assistimos a uma concentração brutal de riqueza, como revelou a revista Forbes há cerca de um mês, com a lista dos 300 homens mais ricos do planeta, que possuem metade da riqueza da população mundial, e do outro lado, 3,5 bilhões de pessoas. Estamos vivendo a maior crise humanitária desde a segunda guerra mundial, e isso tem feito com que alguns países ressuscitem partidos xenofóbicos, excludentes, nacionalistas. Nunca houve tamanha concentração de poder e riqueza no mundo como hoje.


    FOCO - Como professor universitário o senhor acredita que a educação básica precisa melhorar em quais pontos, para que o aluno chegue ao ensino superior mais preparado?

    Gilberto -
    As reformas educacionais no Brasil sempre foram feitas de cima pra baixo. Tentam reformar a Universidade e adaptar o ensino fundamental e médio a essa universidade. Os padrões acadêmicos que eram de origem francesa e que serviram de modelo para as nossas universidades, de 1968 para cá foram sendo minados, e passaram a ser americanizados. A USP foi criada seguindo o modelo francês. Está em crise, mas ainda é a principal universidade brasileira, a que mais produz pesquisa, artigos científicos. Esse modelo foi sendo minado desde 1968. Desde o governo militar, que a universidade não foi concebida para ser produtora de tecnologia, mas sim, copiadora de pesquisa. O nosso agronegócio consome artigos produzidos pelas multinacionais norte americanas, europeias e japonesas. Nós temos aqui bons exemplos como o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) em São José dos Campos, e a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Capacidade para gerar conhecimento nós temos, mas as políticas educacionais são equivocadas. Agora está sendo proposta uma nova estrutura para o ensino médio, que é absurda. Nós tivemos educadores que foram referência no mundo inteiro, como Paulo Freire, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Álvaro de Oliveira Pinto. Conseguimos universalizar o acesso à educação, mas a qualidade do ensino é péssima. A educação no Brasil nunca foi pensada a sério, mesmo com grandes educadores que nós tivemos aqui. Deve existir uma política educacional no Brasil onde a política partidária não interfira.


    FOCO -  O senhor é autor de oito livros. Entre as suas obras estão romances, poemas, contos e ensaios. Como avalia o atual momento da literatura no país, e a convergência para as plataformas digitais?

    Gilberto -
    As plataformas não alteram muita coisa. A pós-modernidade passou a defender uma vulgarização da cultura. Nas redes sociais todo mundo se acha no direito de dar opinião sobre qualquer assunto. A cultura brasileira sofreu uma degradação nas últimas décadas. Não dá pra comparar Tom Jobim e Luan Santana, mas os pósmodernistas não diferenciam isso. Isso acontece também na literatura, com fenômenos inéditos como as redes sociais, que viram palco de conflitos cada vez maiores. Os grandes compositores nem são lembrados, e o mesmo acontece na literatura. O último grande autor brasileiro foi Antônio Calado, que era jornalista. Isso é causa e efeito de um processo de degradação social. A sociedade brasileira está esgarçada, é o mercado que determina as regras e os costumes, não mais a qualidade.


    FOCO - O senhor mora em Ribeirão Preto há 40 anos, e nesse período já ocupou alguns cargos políticos nessa cidade, entre eles o de Secretário de Cultura. Qual o paralelo que o senhor faz entre a cultura de Ribeirão Preto e a de Passos?

    Gilberto -
    Passos é mais rica culturalmente do que Ribeirão Preto, pelas suas manifestações populares e individuais que existem aqui e que são muito boas. Ribeirão Preto hoje não é mais a capital da cultura, como em outros tempos, devido ao populismo e a irresponsabilidade política. Não existe mais uma política cultural em Ribeirão. O Dom Pedro II, que é um Teatro de Ópera, não pode ser utilizado para a gravação de shows sertanejos universitários, pois isso não é um incentivo a cultura popular, e sim um incentivo a vulgaridade.


     

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    FOCO - O Brasil passa por uma das piores crises da sua história. O senhor acredita na recuperação da economia e da credibilidade da classe política?

    Gilberto -
    Não acredito na recuperação da classe politica. Só vai mudar alguma coisa na política se todos esses políticos que estão aí forem definitivamente afastados. São necessários novos processos de mecanismo e o surgimento de novas lideranças. A Receita Federal pode pegar qualquer um de nós, mas não pegou todas essas transações bilionárias, com tanto dinheiro que estava sendo desviado para o exterior. Isso mostra que o país está podre. Nós temos que pensar numa refundação do Brasil. Quanto à economia, pelo seu gigantismo territorial e sua capacidade de produzir alimentos, o Brasil deveria estar entre as cinco maiores economias do mundo, mas não está nem entre as 20 em domínio tecnológico.


    FOCO - Vivemos tempos de intolerância e acirradas disputas no campo político e ideológico, com discussões acaloradas, principalmente nas redes sociais. É possível encontrar no campo acadêmico um caminho para o Brasil?

    Gilberto -
    Apenas com uma profunda mudança educacional. A função do professor foi totalmente denegrida no Brasil. Depois da segunda guerra, os japoneses fizeram uma nova revolução industrial, que deu na criação da microeletrônica, com o auxílio dos Estados Unidos. O Japão estava destruído após a segunda guerra mundial. Para recuperar o país, eles transferiram os melhores professores para o ensino básico. A valorização da função do professor é fundamental. Hoje muita gente é professor por acaso, ao contrário do passado, onde as pessoas tinham vocação para lecionar. A formação dos novos professores tem que ser totalmente revolucionária, produzir não só conhecimento, mas também cidadania ampliada, produzir seres que saibam, mas que saibam também coexistir. O que está aí hoje precisa ser combatido, denunciado, e o meu livro fala sobre isso.
     

    Renato Rodrigues Delfraro
     

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