Dra. Eugênia Ubiali
Médica hematologista e hemoterapeuta, coordenadora médica do Hemocentro de Ribeirão Preto
(e-mail: [email protected])
O sangue é um tecido do organismo cuja função é distribuir o oxigênio e os nutrientes para as células e recolher as substâncias tóxicas resultantes do funcionamento celular. Por isso, é fundamental para a vida garantir que o sangue cumpra seus papéis plenamente, prevenindo, em alguns casos, e tratando, em outros, doenças que podem se tornar fatais. Os diversos tipos de anemia podem ter causas variadas, inclusive podem ser manifestações de doenças específicas do sangue. As leucemias e as hemofilias são patologias sanguíneas, que se manifestam por meio de sinais e sintomas que são investigados por meio de exames hematológicos, tanto do sangue periférico quanto da medula óssea.
Segundo a médica hematologista e hemoterapeuta, coordenadora médica do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), Eugênia Maria Amorim Ubiali, as doenças sanguíneas são um assunto complexo e muito amplo para ser tratado, mas que pode ser abordado por algumas de suas manifestações mais comuns: os diferentes tipos de anemias, as hemofilias, as leucemias, o aumento de gânglios (ínguas), as manchas roxas e outros sangramentos.
Quando se fala em sangue, a anemia e a leucemia são duas doenças que costumam vir à mente das pessoas. A anemia é o nome dado para a diminuição dos glóbulos vermelhos do sangue. As causas são diversas e os sinais e sintomas são vários: cansaço, fraqueza, dor nas pernas, indisposição, “fôlego curto”, “batedeira no peito”, sonolência, irritabilidade e até alterações cutâneas e dos cabelos.
“As anemias por deficiência de ferro (ferroprivas) são as mais comuns. Nas mulheres, sua principal causa é a perda menstrual exagerada e as perdas ginecológicas por mioma uterino ou nas hemorragias disfuncionais. Nas crianças, essa deficiência geralmente se deve à alimentação pobre em ferro”, explica a Dra. Eugênia. Ela acrescenta outras causas desse tipo de anemia, que são os sangramentos provocados por úlceras pépticas, tumores de estômago, de intestino e pelo uso de anti-inflamatórios.
“Outras carências podem levar à anemia, como a falta de vitamina B12 ou de ácido fólico. Alguns tipos de cirurgias bariátricas (para obesidade mórbida) podem levar a anemias, especialmente por deficiência de ferro e/ou de vitamina B12, e o uso crônico de álcool também pode se acompanhar de anemia por deficiência nutricional, por hemorragias digestivas ou pela toxicidade direta do álcool na medula óssea”, observa a médica.
Fatores genéticos também estão relacionados a doenças do sangue e, para evitar complicações ao portador, devem ser diagnosticadas e tratadas o quanto antes. Estão nessa lista de males sanguíneos hereditários a anemia falciforme (pesquisada pelo “teste do pezinho” do bebê) e a talassemia. A primeira é a doença hereditária mais comum no Brasil, sendo mais frequente nos afrodescendentes, e a outra é prevalente entre os povos do mar Mediterrâneo, entre o sul da Europa e norte da África (portugueses, espanhóis, italianos, gregos, egípcios e libaneses), e chegou ao Brasil junto com os imigrantes dessas regiões.
“A doença falciforme se caracteriza pela presença de uma hemoglobina anormal, em geral a hemoglobina S ou C que, em condições de baixa quantidade de oxigênio (ex: infecções), sofre uma modificação e provoca a deformação das hemácias que assumem uma forma de foice. Nesta forma alterada, as hemácias se tornam rígidas e a circulação para os tecidos fica mais difícil. Esta doença cursa com anemia crônica e com manifestações e complicações em diversos sistemas do organismo”, explica a especialista.
“A talassemia caracteriza-se por um defeito na síntese da hemoglobina e se traduz por uma anemia crônica, que em sua forma grave (talassemia maior), leva a total dependência de transfusões periódicas de glóbulos vermelhos para permitir sua sobrevivência, seu desenvolvimento físico e mental e qualidade de vida”, acrescenta.
“Ambas as doenças se manifestam precocemente na criança (1º ano de vida) e exigem tratamento multidisciplinar com várias linhas de cuidado e transfusões.”
Essas anemias hereditárias não podem ser evitadas com tratamentos durante a gestação, mas com o diagnóstico precoce, estes pacientes podem receber cuidados específicos que melhoram muito sua qualidade de vida. No Brasil, recentemente, foi aprovado e está sendo feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o tratamento curativo da anemia falciforme por meio de transplante de medula óssea, quando o paciente tem um doador aparentado com HLA idêntico, indicando compatibilidade completa entre doador e receptor.
Anemias também podem ser decorrentes de doenças hematológicas específicas, como leucemias, aplasia de medula óssea (parada de produção de sangue) e outras patologias medulares (síndrome mielodisplásica, mielofibrose), que afetam a produção de sangue e acometem seus componentes – os glóbulos vermelhos e brancos e as plaquetas.
“O diagnóstico do tipo e da causa da anemia é fundamental para que seja instituído o tratamento adequado, que varia, portanto, conforme cada caso específico.
Por exemplo, desde suplementação com sais de ferro até o transplante de medula óssea”, ressalta.
As hemofilias A e B também têm causa genética e se caracterizam pela deficiência congênita dos fatores VIII e IX da coagulação do sangue, respectivamente. Nos casos graves, em que os pacientes apresentam menos de 1% do fator de coagulação, ocorrem hemorragias espontâneas, especialmente nas articulações (joelhos, tornozelos e cotovelos) e em músculos, embora possam sangrar em qualquer parte do corpo. O tratamento envolve equipe multidisciplinar, com médicos hematologistas e ortopedistas, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos, entre outros.
Glóbulo Vermelho Anemia Falciforme
“Esses pacientes e suas famílias são orientados sobre a doença, mantêm doses domiciliares de fator da coagulação e seguem manuais de orientação para a infusão da medicação sempre que necessário, retornando ao serviço assistencial, quando precisam. Não há um tratamento para evitar a hemofilia; seu diagnóstico é feito pela dosagem destes fatores específicos, exames que somente são realizados em laboratórios especializados”, diz a Dra. Eugênia.
Os gânglios, as manchas roxas espontâneas, outras hemorragias, febre e dores ósseas e nas articulações também podem ser manifestações de doenças do sangue, cuja causa deve ser investigada pelo hematologista para a correta prescrição do tratamento.
Os gânglios (linfonodos) fazem parte do nosso sistema de defesa. Reagem, aumentando de tamanho (ínguas), tentando conter ou debelar algo que esteja acometendo algum tecido em sua área de drenagem. As ínguas ocorrem também nas leucemias e linfomas, nos tumores metastáticos, nas infecções virais, bacterianas e por fungos, nas doenças autoimunes e até pelo uso de alguns medicamentos.
As manchas roxas espontâneas podem ser sinal de doenças graves, como as leucemias, as anemias por parada de produção de sangue (anemia aplástica) e as púrpuras. Mas nem todo mundo que apresenta manchas com essa coloração pelo corpo tem uma doença grave, porque nas doenças hematológicas usualmente estas manchas costumam se acompanhar de outras manifestações hemorrágicas, como sangramento nasal espontâneo, de gengivas e outros.
“Em pessoas idosas, cuja pele é frágil e o tecido que fica sob a pele é escasso, podem surgir manchas roxas espontâneas ou ao mínimo toque, nos antebraços, nas pernas e no tronco, especialmente se fazem uso de aspirina. As manchas roxas decorrentes apenas de fragilidade vascular não costumam oferecer risco”, observa a médica.
Segundo a Dra. Eugênia Ubiali, as doenças do sangue podem ocorrer em qualquer idade e em ambos os sexos, embora algumas sejam mais comuns em crianças (leucemia linfoide aguda), outras em adultos (leucemia mieloide aguda e crônica e linfomas) e outras em idosos (leucemia linfoide crônica e mieloma múltiplo). As hemofilias hereditárias, por serem ligadas ao cromossomo X, ocorrem geralmente em homens, pois costumam ser incompatíveis com a vida em mulheres acometidas (geralmente elas morrem intraútero).
Doação de sangue e medula óssea pode salvar doentes sanguíneos
O tratamento de várias doenças de sangue, dependendo do estágio, inclui transfusões. Para a médica hematologista Eugênia Maria Amorim Ubiali, coordenadora do Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), o ato de doar sangue é um gesto altruísta e significa que a pessoa “está dando parte de si para receber em troca somente a recompensa de saber que vai ajudar pessoas”.
No Brasil, segundo publicação do Ministério da Saúde no ano de 2014, houve cerca de 3,7 milhões de doações de sangue em 2012 e em torno de 3,1 milhões de transfusões. Segundo a médica, globalmente os números indicam que não há falta de doadores no país. Entretanto é necessário que os serviços de hemoterapia trabalhem todo o tempo preocupados com os baixos estoques de certos tipos sanguíneos (especialmente os do fator Rh negativo ou de tipos sanguíneos raros) e até com a escassez de produtos específicos e de grande utilidade em muitos tratamentos (os concentrados de plaquetas), cuja validade é de somente 5 dias para tratamentos.
Por isso, a Dra. Eugênia pede que as pessoas não deixem de doar e as que ainda não têm esse hábito que copiem o gesto solidário de outros brasileiros. “Muitos pacientes podem ter sua qualidade de vida melhorada com as transfusões, outros precisam das transfusões para que possam receber seus tratamentos quimioterápicos, radioterápicos, transplantes ou cirurgias e outros somente ficam vivos e bem porque, a cada 20-25 dias, recebem uma transfusão do sangue de algum doador anônimo”, justificou.
Enio Modesto