Psicóloga Isaura von Zuben Lemos
Após uma longa e estável união, essa perda pode deixar um enorme vazio de difícil superação para o cônjuge. O homem, por razões culturais, reage diferente da mulher e, em muitos casos, pode parecer menos sensível à separação pela morte do que a mulher. Entretanto, a psicologia indica que ambos sofrem, apesar de nem sempre elaborarem o luto da mesma forma.
É comum os homens se casarem de novo em menos de um ano após a morte da mulher. Isso ocorre em algumas partes do mundo, segundo a psicóloga especializada em luto Isaura von Zuben Lemos, “pois precisam de alguém para ser confidente, companhia e cuidadora, buscam sair da solidão”, explica. Por outro lado, o mesmo costuma não ocorrer com as mulheres devido a fatores como preconceito e pouca aceitação dos filhos e também por encontrarem apoio emocional com mais facilidade do que os homens.
“Em algumas regiões, os viúvos vivem menos, pois perdem as cuidadoras - geralmente são as mulheres que lhes dão as medicações, que passam o protetor solar, cuidam da alimentação do parceiro”, observa a psicóloga. “A viuvez é um dos maiores desafios sentimentais enfrentados na velhice, pois significa não só a perda do cônjuge, como também a ruptura de praticamente todos os aspectos da vida de quem ficou, trazendo repercussões físicas e emocionais”, explica.
Dentre os pacientes de Isaura Lemos, cerca de 60% são de idosos que buscam um alento para a viuvez. “Em casamentos estáveis e longos, a morte de um dos parceiros, pode deixar um enorme vazio, pois representa a perda de um amor, um confidente, um bom amigo e do cônjuge de longa data. Independente do casamento ter sido bom ou não, a perda é sentida, pois o sobrevivente perde o papel de cônjuge”, explica.
Enquanto os viúvos idosos tendem a se casar novamente, para as idosas a fase do luto é mais difícil de ser superada, segundo a psicóloga, porque a vida delas foi estruturada em torno de cuidados e afazeres domésticos. Então, até que passem as datas importantes, como primeiro aniversário de casamento sem ele, o primeiro Natal, Ano Novo, Dia dos Pais, etc, aquela rotina no lar remete à lembranças do falecido.
“Preservar o lugar à mesa, as roupas da forma como o companheiro deixou, os objetos de uso pessoal ou permanecer com os hábitos do parceiro, são sinais de que o luto pode estar se desenrolando de forma complicada”, alerta a profissional.
A mudança na vida social é outro aspecto importante entre os viúvos, pois essa condição do estado civil dá a eles um novo sentido à identidade, além da constatação da própria finitude, já que o cônjuge se foi. A isso se junta certos equívocos do círculo familiar e social do idoso, que podem lhe dificultar a elaboração e superação do luto.
“Amigos e familiares munidos de boas intenções tendem a diminuir o processo de luto, o que não é indicado, uma vez que cada ser humano é único e nesse sentido cada um precisa de um período. Assim, em vez de fazer com que a pessoa não chore, dê tempo para ela expressar sua dor”, aconselha Isaura von Zuben Lemos.
Outras recomendações da psicóloga ajudam as pessoas a ajudarem o cônjuge a vivenciar o luto de forma natural: “Não evite falar sobre o falecido, pois isso dá a impressão de que ele nunca existiu. Após algum tempo de suporte, as pessoas voltam à sua própria rotina e o viúvo, não. Em vez de dizer: ‘se precisar de alguma coisa estarei aqui’, diga: ‘vou fazer compras, quer ir comigo? Vou à farmácia, quer vir junto?’”
Segundo a psicóloga, é preciso dar um tempo para a pessoa se recuperar do luto e procurar viver a vida de forma equilibrada, preservando a memória da pessoa querida e ao mesmo tempo não se esquecer de suas próprias necessidades. “A terapia vem como um recurso a acolher, dar suporte emocional e apoio ao viúvo e principalmente auxiliar o enlutado a encontrar novos elos para ressignificar sua vida. O psicólogo vem como um bom ouvinte, quando todos já se cansaram de ouvir. Ao expressar sentimentos conflitantes, como remorso, culpa ou raiva, a pessoa enlutada dá um passo decisivo para aceitar sua nova situação”, diz Isaura Lemos.
SINTOMAS* COMUNS EM LUTOS COMPLICADOS
-
DOR
-
APATIA
-
INSÔNIA
-
TRISTEZA
-
DEPRESSÃO
-
PALPITAÇÕES
-
PERDA DA MEMÓRIA
-
ALTERAÇÕES NO APETITE
-
DOR MUSCULAR E ANSIEDADE
-
DIFICULDADE DE CONCENTRAÇÃO
* Alguns viúvos ainda apresentam alterações orgânicas, como diabetes e somatizações.
IZABEL - VIÚVA DUAS VEZES
A experiência de ter que vivenciar o luto por duas vezes e as dificuldades para enfrentar o dia a dia.
Izabel (à esq.) com as filhas, Renata e Neila, e a neta Thatthyanna
Ficar viúva é horrível! Com essa frase, a dona de casa Maria Izabel Dias, de 68 anos, resume a triste experiência de ficar viúva duas vezes. A primeira perda ocorreu há 49 anos, um ano e meio depois de casada e com uma filha de três meses para criar. A segunda foi em 2001, quando ela e o marido, Milton Alvarenga Dias, compartilhavam a mesma idade, 54 anos. “Eu senti tanto, que eu não consegui chorar, e faço tratamento de pânico até hoje”, conta.
Da primeira viuvez, Izabel, como é tratada por familiares e amigos, mal se recorda, pois era muito jovem e tinha uma preocupação a mais: uma filha de três meses para criar. “Não recordo muito bem, foi como se fosse um filme que assisti e passou”, explica.
Izabel cozinhando com a filha Neila; atrás, a neta Thatthyanna e a outra filha, Renata.
Cinco anos depois de perder o primeiro marido, José Norvantino de Lima, Izabel voltou a se casar. Desta vez com um antigo namorado. “Eu fui a primeira namorada dele e ele não se casou. Ficou me esperando”, diz, acrescentando que após dois anos nasceu sua segunda filha. “Eu vivi muito bem com ele. Até muita gente fala para eu casar de novo. Eu falo que casar é muito bom, mas ficar viúva é horrível!”, comenta.
Izabel conta que após se aposentar, Milton comprou uma van e começou a trabalhar com transporte escolar. Com o passar do tempo, principiaram os sintomas de um câncer no cérebro. Antes de falecer, o marido permaneceu sete meses internado. “Eu me internei com ele, mas não chorava, não deixava transparecer minha tristeza. Até contava piadas pra ele”, recorda.
“Ele morreu depois de se aposentar, quando iríamos aproveitar mais a vida. Por causa do Milton eu não consigo chorar, foi um bloqueio, o psiquiatra diz”.
Izabel recebe o carinho dos netos Phillype e Thatthyanna.
Quando o esposo faleceu, Izabel recebeu o apoio de amigos, mas lamenta não ter obtido o mesmo dos parentes. “Achavam que eu não sofria, por não chorar. Não chorei para dar apoio às filhas e aos netos que eram muito apegados a ele”, observa.
A dona de casa revela que ainda hoje, mais de 14 anos após a morte do marido, não convive bem com a ausência dele. Ela conta que ainda faz tratamento psiquiátrico e psicológico para suportar o trauma e que não deixa os outros perceberem quando está triste.
“Minha viuvez me fez aproximar mais de Deus. Quando eu sentia que não ia mais suportar, eu saia pra fora da casa e conversava com Deus. Pedia que, se ele tirou meu marido, me desse força para eu não entregar os pontos”, conta.
Enio Modesto