A psicóloga Mara Regina Giannelli Righetto: “Como estamos sempre em transformação, o desenvolvimento pessoal e a maturidade contribuem para o aperfeiçoamento de recursos afetivos que podem transformar a nós mesmos e o nosso mundo de relações.”
O termo narcisismo é derivado de Narciso, que segundo a mitologia grega, era um belo jovem que despertou o amor da ninfa Eco. Como era arrogante e orgulhoso Narciso rejeitou esse amor e por isso foi condenado a amar o primeiro ser que visse. Apaixonou-se, assim, pela sua própria imagem refletida num lago e, por não conseguir deixar de admirar aquela imagem, definhou. Posteriormente, a mãe Terra o converteu em uma flor, o narciso.
A psicóloga Mara Regina Giannelli Righetto resume algumas características básicas do comportamento de uma pessoa narcisista: “Atitudes narcísicas se caracterizam pela preocupação exagerada consigo mesmo, a ponto de se esquecer o outro a seu lado, pela urgência nas conquistas, pela forma individualista como as pessoas se relacionam, pela impaciência, pela intolerância, pelo uso abusivo de onipotência e arrogância. Essas atitudes comprometem a capacidade para amar, geram vazios e quando o sentir-se onipotente não se sustenta, o que aparece é o sentimento de desamparo e destruição, que pode levar ao pânico e a somatizações. A pessoa adoece”, explica.
Mara afirma que características narcisistas podem ser reconhecidas em cada um de nós, porém, nem sempre podem ser consideradas patológicas.
"Narciso" - Pintura de Caravaggio, 1954-1596 Galeria Nacional de Arte Antiga
“Como estamos sempre em transformação, o desenvolvimento pessoal e a maturidade contribuem para o aperfeiçoamento de recursos afetivos que podem transformar a nós mesmos e o nosso mundo de relações”, pondera.
O desenvolvimento da personalidade narcisista, segundo a psicóloga, começa logo nos primeiros meses de vida, quando podem ocorrer falhas na função materna. “As primeiras relações de um bebê são indiscriminadas, é a mãe que vai apresentá-lo ao mundo e vai apresentar o mundo para o bebê, e muitas vezes, a mãe não tem essa compreensão, esse entendimento ou acolhimento afetivo. Se nas primeiras relações afetivas houver essa falha, pode se desenvolver, a partir daí, a formação de uma personalidade narcisista”, observa.
Mara afirma que o contexto da sociedade atual é muito voltado para os prazeres pessoais, e isso se inicia ainda na infância. “As crianças impõem suas vontades, querem que seus desejos sejam atendidos e os pais muitas vezes sucumbem às exigências dos filhos. A experiência contemporânea de uma vida voltada para as próprias vontades e necessidades, com tanta busca e oferta de prazeres, nos leva à ilusão de que nossa existência poderia transcorrer de uma maneira muito mais voltada ao prazer do que às obrigações e ao compromisso.”
Sobre pessoas que buscam, de forma exagerada, o corpo perfeito, através de procedimentos estéticos como cirurgias plásticas e exercícios físicos, Mara afirma que essa também pode ser uma característica narcisista. “Cada pessoa tem sua própria beleza, que é resultado de sua aparência física e também de suas qualidades emocionais. A busca por uma beleza idealizada pode significar que existe um sofrimento psíquico”, salienta.
Quanto ao excesso de exibicionismo das pessoas nas redes sociais, como um aspecto do comportamento narcísico nos dias atuais, Mara afirma que a privacidade é uma condição menos valorizada atualmente, e para que tanta exposição aconteça, o que as pessoas expõem são situações de prazer em seu cotidiano, de tal forma que fica a ilusão de que as dificuldades quase não existem.
“A busca de prazer intenso e imediato é uma característica da vida atual. Porém, nem sempre isso é possível, afinal, tudo leva tempo e investimento para ser construído. Haja tempo para construir um amor, uma amizade, uma profissão! Existem os limites da mente e do corpo, a morte, a dependência do outro, as angústias e frustrações”, destaca a psicóloga.
As características narcísicas da vida atual, segundo Mara, não são favoráveis ao equilíbrio emocional. “As pessoas andam muito ansiosas, esperando muito pela sexta-feira porque os outros dias não são tão bons, usam muito antidepressivos, ansiolíticos para conter a ansiedade, medicamentos para dormir, álcool, drogas.”
A psicóloga afirma que é importante considerar que as decisões de vida podem acontecer seguindo o prazer momentâneo ou a realidade que aponta para possibilidades e limites: “O prazer momentâneo sem a ponderação da realidade pode ter como consequência resultados desagradáveis. É preciso ter sempre em vista a necessidade de mantermos contato conosco, com a nossa autoestima, com o nosso corpo, nossos pensamentos, sem perder de vista o contato e o respeito ao outro”, finaliza.
Renato Rodrigues Delfraro