Refletindo sobre a fábula do escorpião e do sapo, podemos exemplificar a natureza e o perfil de um psicopata.
“O escorpião aproximou-se do sapo que estava à beira do rio. Como não sabia nadar, pediu uma carona para chegar à outra margem.
Desconfiado, o sapo respondeu: Ora, escorpião, só se eu fosse tolo demais! Você é traiçoeiro, vai me picar, soltar o seu veneno e eu vou morrer.
Mesmo assim o escorpião insistiu, com o argumento lógico de que se picasse o sapo ambos morreriam. Com promessas de que poderia ficar tranqüilo, o sapo cedeu, acomodou o escorpião em suas costas e começou a nadar.
Ao fim da travessia, o escorpião cravou o seu ferrão mortal no sapo e saltou ileso em terra firme.
Atingido pelo veneno e já começando a afundar, o sapo desesperado quis saber o porquê de tamanha crueldade. E o escorpião respondeu friamente:
- Porque essa é a minha natureza!”
A Psiquiatra Dra. Bruna Vasconcellos Kallas. Residência Médica em Psiquiatria no Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira - Campinas/SP CRM-MG. 53.782 | CRM-SP. 160.579
Os psicopatas também são denominados sociopatas, personalidades dissociais, personalidades antissociais, personalidades amorais, dentre outras denominações.
Como o próprio escorpião disse na história, trata-se da sua “natureza”, ou seja, de uma maneira de ser, de se comportar e se relacionar na sociedade. Trata-se de um tipo de personalidade, um transtorno de personalidade.
Os psicopatas são pessoas desprovidas de empatia, de afeto “verdadeiro” pelo outro. São movidos pela busca de prazer, status e poder.
Para atingir os seus objetivos, usam de mentiras, transgridem regras sociais, utilizam artifícios de sedução, manipulam as vítimas e o meio ao redor; tem condutas imorais, sem compaixão, culpa ou remorso.
São homens, mulheres, de qualquer raça, nível social, cultura ou credo. Eles enganam e representam muito bem, tem um talento teatral, apresentam uma boa inteligência verbal. São comunicativos, charmosos e encantadores.
Os psicopatas têm uma habilidade de se informar sobre os mais diversos assuntos, passando credibilidade às pessoas que estão em contato com eles.
Costumam ter uma visão narcisista e supervalorizada sobre os seus próprios valores e importância. Têm mania de grandeza, encanto pelo poder e pelo controle sobre os outros.
Todos eles tem consciência dos seus atos, sabem o que é certo e o que é errado, costumam ter um senso exaltado da realidade. Por isso, devem ser diferenciados dos “doentes mentais” como os esquizofrênicos por exemplo. Estes, por sua vez, apresentam uma distorção da realidade, os delírios, e podem agir em resposta a vozes de comando externas (as alucinações auditivas).
Dessa forma, os psicopatas não são considerados indivíduos “loucos”, já que seu estado de consciência e sua crítica estão preservados. O juízo de realidade está preservado.
Eles têm uma propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, alguns podem usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer. Se são “desmascarados” ou flagrados em suas mentiras, não apresentam constrangimento ou alguma preocupação.
São extremamente habilidosos em culpar as outras pessoas por seus atos, se eximindo de qualquer responsabilidade. Apresentam uma irresponsabilidade consistente, que pode se manifestar nas obrigações financeiras, que deixam de honrar, ou também no comportamento laboral.
Eles têm uma irritabilidade e uma agressividade natos, que pode se manifestar através de repetidas lutas corporais ou agressões físicas, ou ficar encobertas pela “máscara da sanidade” (a figura do “bonzinho” ou da “mulher exemplar”). Essa máscara pode cair em algum momento, em situações de estresse ou de frustração.
Diferente do que muitos imaginam, os psicopatas não têm cara de mau, não têm aparência bizarra e descuidada, não têm uma aparência e um comportamento óbvios de um “assassino”. Eles enganam e representam muito bem; eles podem estudar, trabalhar, fazer carreiras, casar, ter filhos. Eles podem parecer “normais” e mesmo charmosos e encantadores.
Todos nós estamos expostos e vulneráveis a esses indivíduos perversos, os “predadores sociais”; mesmo os especialistas podem se tornar vítimas e podem ser enganados durante um período.
Eles andam tranquilamente pelas ruas, podem cruzar nossos caminhos, podem se esconder atrás da “figura” de religiosos, bons políticos, bons amigos, bons amantes, bons profissionais (exemplos: médicos, advogados, executivos bem sucedidos), “pais e mães de família”...
Esses indivíduos charmosos e atraentes costumam deixar rastros destrutivos por onde passam, nas relações interpessoais em diversos ambientes (pessoal, profissional, social).
O transtorno não é sinônimo de criminalidade. É importante dizer que a maioria dos psicopatas está livre e circulando na sociedade; a maioria deles jamais esteve em algum presídio ou delegacia.
E, dentre a população carcerária, a prevalência de psicopatas pode chegar até 75%. Em alguns países, como nos Estados Unidos, o sistema carcerário utiliza testes como a escala Hare (PCL) para identificar esses indivíduos e os separam dos demais detentos. Constatou-se posteriormente nesses países uma redução das taxas de reincidência nos crimes mais graves e violentos, até porque esses indivíduos considerados “normais” (sem diagnóstico de psicopatia), podem ser recuperados. Já os psicopatas são irrecuperáveis.
Segundo a classificação americana, a prevalência do transtorno de personalidade antissocial é de 3% entre homens e de 1% entre mulheres a nível mundial, e o início do transtorno ocorre antes dos 15 anos de idade, sendo “sinalizado” pelos transtornos de conduta na infância e na adolescência. Porém, o diagnóstico nosográfico, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2007) e a Associação Americana de Psiquiatria (APA, 2002), não é recomendado ser feito antes dos 17 ou 18 anos de idade.
Pensando então numa população como a da cidade de Passos, com cerca de 114.458 habitantes (dados de agosto de 2017), estima-se que cerca de 4.578 indivíduos possam ter esse perfil de personalidade (psicopatas), considerando a média mundial de 4% da população. Vale ressaltar que a proporção de homens em relação as mulheres é de 3:1; porém, atualmente considera-se uma possibilidade desse transtorno de personalidade ser subdiagnosticado no gênero feminino. As mulheres podem manifestar esse comportamento de forma mais “sutil”, com menos demonstrações de agressividade física e mais uma manipulação do ambiente por meio de intrigas, mentiras e sedução.
Até o momento, pouco se conhece sobre as causas da psicopatia. Existem evidências de que há fatores genéticos e biológicos envolvidos; e fatores ambientais, sociais também apresentam uma influência no agravamento ou no abrandamento do “comportamento antissocial”.
A deficiência deles está no campo das emoções e dos afetos. Existe um teste denominado “Bateria de Emoções Morais” (BEM), desenvolvido pelo neuropsiquiatra Ricardo de Oliveira Souza e o neurorradiologista Jorge Moll. Nesse teste, é utilizada uma tecnologia de Ressonância Magnética Funcional (RMf), e nos resultados desse estudo demonstrou-se que os psicopatas apresentam atividade cerebral reduzida nas estruturas relacionadas às emoções em geral (o sistema límbico). Esse sistema é formado por estruturas corticais e subcorticais; e a amigdala, uma estrutura localizada no lobo temporal, consiste numa das principais estruturas cerebrais envolvidas nas “reações emocionais”.
Em contrapartida, nos psicopatas foi verificado um aumento de atividade nas regiões responsáveis pela cognição (capacidade de racionalizar). Pôde-se concluir então que os psicopatas são muito mais racionais do que emocionais.
Os psicopatas possuem níveis de gravidade: leve, moderado e grave. Os leves são os golpistas, os que trapaceiam, praticam pequenos roubos; podem ser desde um indivíduo oportunista até um estelionatário. São os mais comuns, e por outro lado, os mais difíceis de serem diagnosticados. São manipuladores, dissimulados e mentirosos. Estes não costumam matar suas vítimas, não costumam “sujar as mãos de sangue”.
Os de grau moderado, geralmente, apresentam a mesma conduta que os de grau leve, porém costumam se expor mais na sociedade. São impulsivos, agressivos, sádicos; na maioria das vezes estão associados a drogas, álcool, grandes golpes, vandalismo e jogo.
Já os psicopatas de nível grave colocam a “mão na massa”, sentem prazer na violência, nos atos brutais. São os verdadeiros assassinos, os “serial killers”.
É importante dizer que, independente do nível de gravidade da psicopatia, TODOS eles são destrutivos, são incapazes de amar “de verdade”, são pobres de afeto. Para eles o outro é um objeto e este só é percebido pelo psicopata quando tem alguma importância na realização de seus desejos.
A psicopatia não tem cura até o momento, é um transtorno de personalidade e não uma fase momentânea de alterações comportamentais. Para eles não há sofrimento real e sim frustração quando não atingem os seus objetivos. Para o psicopata não existe problema em ser assim, em não ter limites, em passar por cima das pessoas para alcançar um benefício próprio. O outro não tem importância nenhuma, mesmo os próprios filhos e os pais (a importância dos familiares para eles é mais uma questão de status).
O tratamento é direcionado para as vítimas dos psicopatas, para as pessoas “de bem”, “de bom coração”. Estas sim precisam de um suporte emocional com profissionais de saúde mental (psiquiatras, psicólogos); buscando um fortalecimento, uma reconstrução da sua vida emocional, física, financeira, profissional e até mesmo de sua dignidade.
É fundamental e necessário que as vítimas compreendam todo esse contexto, aceitem essa realidade e entendam que não há como modificar a estrutura de uma pessoa, não se tenta mudar o que não pode ser mudado (caráter não se “cria”, ou tem ou não tem). E todas as tentativas de ajuda e de novas chances, certamente serão em vão. Pode “dar certo” por um tempo, enquanto for do interesse do psicopata manter este cenário de falsas mudanças.
“Oração da Serenidade: Deus, conceda-me serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar aquelas que posso e sabedoria para reconhecer a diferença entre elas.”